O pecado mora ao lado

Este é um blog religioso. Irreverente, mas religioso. Religioso, mas irreverente. Neste espaço, quero discutir a delicada questão do pecado. Não desejo lançar culpas sobre ninguém, apenas refletir sobre o assunto. Estão publicados aqui também alguns textos que produzi para O Redentor. (Carlos Eduardo Melo)

quarta-feira, julho 12, 2006

GAME OVER

Eutanásia. Uma espécie de suicídio assistido. Desligar os aparelhos que mantêm viva uma pessoa que sofre, de maneira intolerável, inválida, sobre uma cama. Covardia? Piedade? Revolta? Qual o julgamento mais correto?
Claro, dispor da vida humana é um privilégio só de Deus. Mas apenas quem está entrevado, privado de suas condições plenas, pode opinar com algum conhecimento de causa sobre a questão. Qualquer outra discussão seria meramente filosófica, travada num campo absolutamente abstrato.
Por exemplo, aquele coração que bate forte, que ama, que se emociona, que abriga tanta gente em seu interior, que vibra intensamente nas grandes vitórias do time, que explode na maior felicidade, mas que também sofre, se angustia, que às vezes fica pequenininho, um belo dia, subitamente, falha e apresenta uma inesperada arritmia. Quando percebe, você que se achava tão forte está estirado no leito de um CTI de uma Unidade Coronariana, com o peito coberto de eletrodos, plugado a diversos aparelhos que medem pressão, medem batimentos e apitam por qualquer motivo, você nem sabe porquê; sua mente parece atordoada, suas pernas estão fracas, seus braços furados de tantas injeções. A sua volta, os olhares são graves; as refeições que chegam são sem gosto; para ir ao banheiro, distante menos de dez metros, tem de ser de cadeira de rodas. Nessa hora, por maior que seja a sua fé, você chega a uma triste conclusão: é, estou mal de verdade.
Em seguida, então, um tanto desconfiado, você pensa, lá junto com suas pílulas e suas bolachas de água e sal, nas limitações que, a partir daquele instante, irão passar a reger a sua existência. Pizzas, temperos, escaladas, mergulhos, xingar o juiz, driblar os beques: nunca mais, nunca mais. Como disse certa vez um poeta do rock, seus prazeres agora viraram risco de vida.
Que fazer? Resignar-se e louvar por ainda estar vivo? Sim, é bonito, mas convenhamos que, atormentado, fraco e assustado com sua nova condição, é uma tarefa bem difícil de se fazer.
E a outra opção? Revoltar-se contra Deus, praguejar, resolver acabar de uma vez com o restinho de vida e de força que ainda lhe sobraram, sem pensar na dor daqueles que o querem bem e que sentirão sua falta? Pode ser uma espécie de estranha compensação, uma vingança malcriada contra o destino.
Difícil julgar.
Mas pode ser também que não seja nada disso. Pode ser que optar por morrer, numa circunstância de impotência irreversível, represente uma certeza peculiar de que Deus existe e que aquela força que nos move, que nos faz amar, pensar, criar seja uma fonte de energia inesgotável que nem com a morte pode se extinguir.Então, ao tomar tal decisão, não se trata de desafiar os céus ou de brigar com Deus. É mais ou menos como querer passar para a próxima fase do jogo (a segunda ou a terceira, a se considerar a vida intra-uterina). É uma certeza firme de que a vida continua.
(Escrito para O Redentor)