O pecado mora ao lado

Este é um blog religioso. Irreverente, mas religioso. Religioso, mas irreverente. Neste espaço, quero discutir a delicada questão do pecado. Não desejo lançar culpas sobre ninguém, apenas refletir sobre o assunto. Estão publicados aqui também alguns textos que produzi para O Redentor. (Carlos Eduardo Melo)

segunda-feira, julho 17, 2006

A traição nossa de cada dia

Discípulos de Judas

Vivemos numa sociedade onde trair é uma prática mais comum do que pode parecer ou se gostaria de admitir. Ao menos uma vez, em alguma situação e pelos mais diversos motivos acaba-se sempre, mais cedo ou mais tarde, traindo a confiança de alguém. Ainda assim, por mais que se reconheça essa fraqueza, o que não é fácil, a figura bíblica de Judas – de quem costuma-se lembrar com mais freqüência quando se fala em traição – continua execrada por nós, católicos.
Em geral, associa-se traição especialmente a dois casos: à delação, da qual, entre tantos personagens históricos, também Jesus foi vítima, expressada simbolicamente pelo beijo de Judas; e àquela, de apelo exclusivamente sexual, caracterizada, por coincidência novamente por beijos, cometida sobretudo entre marido e mulher. Mas estes não são os únicos casos; a relação é bem mais longa.
A deduragem e a infidelidade conjugal certamente merecem posições destacadas numa lista dos mais sérios pecados de traição. São casos tão graves e repudiados pela maioria das pessoas, que produzem uma espécie de marca, de tal forma indelével que mancha igualmente tanto os que as cometem quanto os que as sofrem, de modo que, muitas vezes, nem o arrependimento ou a confissão de autoria diante de um sacerdote, ou a reação, seja diplomática ou violenta, consegue atenuar. Assim, tornaram-se populares as figuras do dedo-duro, do X-9, do corno e do Ricardão.
- Antes de trair o outro, quem comete alguma infidelidade está traindo a si mesmo, a suas promessas, a seus compromissos – ensina Padre Nelson. – A menos que isso seja recorrente, contumaz, a confissão pode ajudar a aliviar a consciência, mesmo não sendo totalmente satisfatório, já que não envolve a pessoa traída. Mas, muitas vezes também, desde que haja arrependimento, contar a traição ao outro pode não ser a melhor solução.
Traição, contudo, não se resume somente à quebra do pacto matrimonial. Qualquer ação que resulte em decepção ou frustração de expectativas é, por conseqüência, uma forma de trair. Quando um filho ou filha tira dinheiro da carteira dos pais, ou quando apanha a chave do carro escondido também está cometendo uma traição. Quando os pais são negligentes e omissos, também estão traindo. Namorados que, cedendo a impulsos, flertam e “ficam” com outras pessoas, igualmente estão traindo. Entre amigos, a fofoca, a revelação de segredos ou a ajuda negada são também modos de trair. E, para não dizer que não se falou de política aqui, o próprio Presidente Lula, no momento assolado por suspeitas comprometedoras, diz sentir-se traído por correlegionários, muito embora, nesse caso, traída mesmo sinta-se a população que votou maciçamente num projeto de governo que não se realizou.
Quem só acredita vendo, costuma dizer que emprega o chamado “teste de São Tomé”. Mas quem trai jamais assume o epíteto de “Discípulo de Judas”. Geralmente apresenta uma história comprida, que pode até explicar, mas nunca justifica de verdade o porque de uma traição. Pode ser a falta de atenção por parte do companheiro ou da companheira, misturado com um (a) colega de trabalho ou de faculdade mais insinuante, acrescido talvez de uma tarde de tédio e pronto: consuma-se a traição. Pode ser ainda um pai ausente ou autoritário; um filho relapso e desinteressado; um patrão insensível – motivos certamente não faltarão para atenuar a culpa daquele que trai.
Mas como explicar essa transformação, afinal ninguém se torna amigo, seguidor, namorado, cônjuge e depois passa a traidor de uma hora para a outra?
As fraquezas naturais do ser humano explicam essa derrocada. Como muitas das nossas traições, a de Judas também começou muito antes de se concretizar naquela infame venda. Seja pelo fim do amor, seja por inveja ou por meros desejos carnais, muitas das nossas traições talvez tenham começado antes – e às vezes nem se tenha dado conta disso.
- A fé e o afeto de Judas por Jesus, no começo, eram sinceros. Mas, num determinado momento, o seu sonho egoísta, o desejo de um Messias rico, com exércitos poderosos, que libertasse o povo judeu do jugo romano, começou a fazê-lo se desiludir – explica Padre Nelson. – E ele acabou entregando Jesus numa forma de puni-lo por isso.
Quando Jesus, percebendo que muitos se afastavam dele, perguntou aos apóstolos se eles queriam ir embora também, Pedro (que também viria a trair Jesus, mas se arrependeria verdadeiramente disso) respondeu: “Senhor, a quem iríamos? Só Tu tens palavras de vida eterna”. Judas, porém, calou-se, sem confessar que, preterindo o reino temporal ao reino de Deus, Jesus havia destruído seu sonho de poder. Esse silêncio, a opção por permanecer junto a Jesus, mesmo desiludido, foi o começo da sua traição. Todo o resto foi conseqüência dessa fraqueza de caráter.
A origem das nossas traições só nós podemos dizer.
(Escrito para O Redentor)

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Será que não se está também traindo Jesus quando criamos a nossa própria "religião católica", repleta de concessões? Quantas vezes aborto, concubinato, drogas, trapaças, sonegações e outros pequenos "deslizes" não se encontram sentadinhos e dissimulados nos bancos das nossas igrejas? Talvez a facilidade do perdão explique tantas traições.

10:50 AM  

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