O pecado mora ao lado

Este é um blog religioso. Irreverente, mas religioso. Religioso, mas irreverente. Neste espaço, quero discutir a delicada questão do pecado. Não desejo lançar culpas sobre ninguém, apenas refletir sobre o assunto. Estão publicados aqui também alguns textos que produzi para O Redentor. (Carlos Eduardo Melo)

terça-feira, julho 18, 2006

Trabalho voluntário

Imagine a cena: o terrível facínora Armandinho Beira-Rio, traficante e homicida de renome internacional, é conduzido ao fórum para o seu definitivo julgamento, com reforçada escolta de enorme contingente policial. Durante o percurso, milhares de pessoas se aglomeram nas calçadas para assistir à passagem do comboio que traz preso o grande líder de diversas comunidades. Lá pelas tantas, em plena Avenida Presidente Vargas, o velho camburão cansado de guerra que conduz o perigoso meliante subitamente enguiça. O que faz então o zeloso oficial responsável pela guarda do bandido? Ele salta da viatura e olha em volta, aborrecido, limpa a testa gordurosa na manga da farda e escolhe aleatoriamente um pobre infeliz que, sem nada melhor para fazer, acompanhava o cortejo. “Ei!”, ele diz. “Ajuda a empurrar o camburão!”
Com as devidas ressalvas, foi mais ao menos assim que aconteceu com o bravo Simão, o Cirineu, que entrou para a história como o homem que, “voluntariamente”, ajudou Jesus a carregar a cruz até o monte Calvário.
Claro, a abordagem acima, certamente exagerada e um tanto jocosa, tem uma razão: analisar um conflito que existe, ainda que de forma velada, e que deve ser tratado sempre com muito cuidado, porque ninguém quer passar por estrela, por mascarado ou por interesseiro perante a comunidade paroquial.
Essa delicada questão, de cunho estritamente pessoal, tem de um lado a opção por ser voluntário, doar-se sem querer nada em troca, sacrificar seus horários, comprando sabe-se lá que tipo de brigas em casa ou com pessoas queridas que reclamam mais atenção. E do outro, aquela necessidade inata que todo ser humano tem de ser reconhecido, de ser valorizado pelo que produz, pelo trabalho que realiza – coisa que, convenhamos, nem sempre acontece, não é? Aliás, muito pelo contrário, já que fofocas, picuinhas, inveja não são situações tão raras assim.
Nesse contexto de merecimento e recompensa, outro caso que merece ser observado é o da Irmã Dorothy, da Congregação das religiosas de Notre Dame. Ela tinha 73 anos, participava da Comissão Pastoral da Terra, lá no oeste do Pará, e acompanhava e defendia com firmeza a vida e a luta dos trabalhadores do campo, que vinham se organizando em torno do desenvolvimento sustentável da região. Num belo dia, o trabalho de Irmã Dorothy foi bruscamente interrompido. Por causa de sua atuação, e pela denúncia da ação predatória de fazendeiros e grileiros que agiam naquele lugar, ela acabou cruelmente assassinada por pistoleiros.
Sendo assim, afinal, diante da ausência do pagamento em espécie, que caracteriza qualquer relação trabalhista, e da quase obrigação que a assiduidade acaba por gerar, cabem duas perguntas: Será o trabalho voluntário praticado nas pastorais uma espécie de escravidão? E será que vale a pena mesmo se doar por alguma causa?