O pecado mora ao lado

Este é um blog religioso. Irreverente, mas religioso. Religioso, mas irreverente. Neste espaço, quero discutir a delicada questão do pecado. Não desejo lançar culpas sobre ninguém, apenas refletir sobre o assunto. Estão publicados aqui também alguns textos que produzi para O Redentor. (Carlos Eduardo Melo)

quarta-feira, abril 13, 2011

Pra não dizer que não falei de bullying


Ainda o massacre de Realengo. Durante muito tempo ainda vai-se falar desse triste atentado, que vitimou doze crianças numa escola pública no subúrbio carioca. Por mais que já se tenham derramado todas as lágrimas pelos “brasileirinhos” mortos (expressão utilizada pela presidente, com carga mais pesada de demagogia do que a carga de munição que carregava o próprio atirador) e derramado também todo o ódio contra o pobre coitado, sua família e sua religião, parece que há muito ainda a se esmiuçar neste caso. E assim será feito - nem que seja para que não torne a acontecer nada sequer parecido.

O noticiário está farto de assuntos, repleto de desdobramentos do caso, como deve proceder mesmo o jornalismo diante de um acontecimento tão espetacular. Policiais, políticos, psicólogos, professores, ex-colegas, estão todos na mídia com uma opinião a respeito da personalidade do rapaz que voltou à escola onde estudara e abriu fogo contra a criançada indefesa - e todos têm dicas e planos para evitar, futuramente, semelhante tragédia. Busca-se com avidez entender o funcionamento de uma mente evidentemente doentia (e sem tratamento adequado, diga-se), procuram-se por amigos, comparsas, mentores, qualquer pessoa que possa ter tido alguma ligação com o atirador e, direta ou indiretamente, tê-lo motivado, com ensinamentos operacionais ou ideológicos, ou, ainda, com incentivos de qualquer outra natureza, a cometer o terrível ataque. A sanha com que a opinião pública persegue esse objetivo é, logicamente, para encontrar alguém que pague pelo crime, algum infeliz desnaturado que possa ser responsabilizado pela barbárie, já que o assassino acabou se suicidando depois de ter sido ferido por um policial e não pode ser alcançado pela justiça dos homens.

O mais curioso (e significativo) nesse episódio de demonização do jovem atirador é a (conveniente?) miopia dos investigadores, todos eles, sejam profissionais, sejam diletantes, sejam oportunistas. A verdade está diante dos olhos de qualquer um que tenha acompanhado o noticiário, mesmo assim ninguém parece poder (ou querer) enxergar. É quase uma cegueira coletiva opcional.

O estudo da natureza humana é um rico manancial para escritores, pesquisadores e doutores de variados currículos. Suas atitudes, seus comportamentos, quando bem analisados, denunciam, explicam, justificam inúmeras ações, situações, omissões e paixões (ah, as rimas...) – e certamente também o fazem em relação ao que aconteceu em Realengo.

Qualquer um com o mínimo de vivência sabe que há um tipo de gente que não reage aos ataques que sofre. Seja por fraqueza ou por covardia, por falta de amor próprio, ou até por algum distúrbio mental (não diagnosticado e tratado), em vez de se bater contra aqueles que o molestam, contrariam, agridem, oprimem, humilham, prefere se vingar, em vez de lutar. A maldade inerente à criança (tida como pura, sabe-se lá por quê), a falta de educação dos nossos meninos e meninas, a ausência de limites que deveriam ser impostos por pais cada vez mais ausentes, a nítida falência da instituição familiar, o posso-tudo-porque-estou-pagando, o te-esculacho-porque-você-é-feio (ou pobre, esquisito, bicha, lésbica, preto, ruivo, caolho, magro, gordo, tímido, espinhento, ridículo) são os vetores responsáveis pelo massacre perpetrado por alguém que foi sempre um alvo fácil (mudo e indefeso) de toda sorte de ataques. Está nos depoimentos e nas entrevistas.

Não basta, porém, estar diante dos olhos; é preciso enxergar. Não adianta revirar arquivos de computador, quebrar sigilos telefônicos e de internet, vasculhar cadernos e manuscritos. Buscar, unicamente dessa forma, um culpado para a fuzilaria no colégio é fazer como o cachorro que corre atrás do próprio rabo. A investigação sociológica precisa ser mais profunda, por mais que doa. O cúmplice invisível do atirador de Realengo somos todos nós.

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