O pecado mora ao lado

Este é um blog religioso. Irreverente, mas religioso. Religioso, mas irreverente. Neste espaço, quero discutir a delicada questão do pecado. Não desejo lançar culpas sobre ninguém, apenas refletir sobre o assunto. Estão publicados aqui também alguns textos que produzi para O Redentor. (Carlos Eduardo Melo)

segunda-feira, abril 18, 2011

Polêmica


Ainda outro dia, por conta de recentes e polêmicos casos de manifestações racistas e homofóbicas que ganharam as manchetes, estive pensando (este esporte radical, para poucos iniciados) a respeito dessas questões sob a ótica do pecado (meu assunto preferido, dirão alguns; apenas o tema preferido do blog, responderei eu). Afinal, é pecado ter aversão a homossexuais ou a negros?

Bem, se entendermos que Jesus está no outro e é a este outro que devemos amar para amarmos como Jesus ensinou, fica evidente que qualquer sentimento de rancor, desprezo ou ódio por alguém representado aqui pela ideia abstrata contida na palavra outro, então é, sim, pecado. Amar quem gosta de nós é fácil. Amar nossos pais, amar nossos filhos, amar a namorada/o, amar a vovó fofinha, o vovô legalzão, amar a professora boazinha, amar o vizinho gente boa, amar o amigo, amar aqueles que nos respeitam, tudo isso não requer nenhum esforço de nossa parte. Agora, vai amar aquele que te provoca, aquele que te desafia, que te irrita, que te incomoda; aquele que não gosta de você; o sujeito fedorento que encosta em você no metrô, a vendedora mal educada, o velho resmungão, o pivete, o mendigo, a periguete que dá em cima do teu marido, o fanfarrão que sopra galanteios na beira da calçada, a bicha-louca que te desconcerta, a sapatona que te enoja, o amigo maconheiro da sua filha, a amiga vadia do seu filho. É nestes que está Jesus, é a estes que se tem que amar sinceramente e não discriminar. Pensa que é fácil? É não. Há dias, até, por uma razão ou por outra, que é impossível. Se você não é capaz de amar assim e, pior ainda, faz toda a questão de repudiar todos os que são diferentes, então há, sim, em sua vida uma nítida situação de pecado, por mais que você reze, vá à missa e acenda velas.

Um dos fatos que motivou a recente discussão acerca do assunto foi uma declaração do deputado Bolsonaro em resposta a uma pergunta da cantora Preta Gil. Se ela fez a pergunta com propósito provocativo, ele não se intimidou e demonstrou ser uma pessoa preconceituosa, sem dúvida. Não me parece, porém, que nenhum dos dois esteja muito preocupado com a quebra de preceitos religiosos, tema aqui deste espaço. Em todo caso, o conflito trouxe à tona debates interessantes sobre democracia e respeito à opinião dos outros, já que foi curioso perceber que a grita dos que se sentiram atacados pelas palavras do deputado avançou com imperiosidade sobre o direito de alguém ter uma opinião diferente, o que justamente foi a razão inicial da discórdia.

Ocorre que há, em nossa sociedade, atualmente, um patrulhamento feroz em defesa das chamadas minorias. A predominância do politicamente correto abrange praticamente todos os setores da vida em comunidade. Em certas situações, talvez traga alguns benefícios, mas o excesso, não só de vigilância, como também de estridência nos protestos, provoca também muitos desacertos.

Um caso de grande repercussão, nos últimos dias, aconteceu com o jogador de vôlei, Michael, que foi vítima de suposto ataque de homofobia praticado pela torcida do time adversário, num jogo da semifinal da superliga. Apesar de todo o alarido histérico que cercou o assunto, cabe perguntar: pode-se dizer com convicção e absoluta isenção que houve ali, de fato, uma atitude homofóbica por parte dos torcedores, ou tudo não passou de provocação?

É preciso uma visão contextual para se fazer uma análise imparcial. O que pretende a voz das arquibancadas quando grita seus coros ofensivos sobre a moral dos atletas? Será que não é tão somente desestabilizá-los, torná-los mais fracos, menos eficientes na prática dos fundamentos do jogo em disputa?

Vejamos o futebol. Qual a intenção dos torcedores quando faziam o célebre coro de “chorão, chorão” para o tetracampeão Bebeto? Ou de “chincheiro” para o argentino Doval, ou ainda de “assassino” para o polêmico Edmundo? Obviamente, são gritos agressivos, que extravasam também forte carga de raiva, sentimento de que os jogos de futebol, por sua dinâmica eletrizante e passional, são repletos, mas são apupos que têm como objetivo (ofender, sim, mas para) principalmente perturbar o jogador da equipe adversária.

O cracaço do passado Heleno de Freitas, por exemplo, jogador irascível e temperamental, que era chamado de Gilda pelos torcedores adversários, numa alusão à personagem interpretada por Rita Howard num clássico do cinema de então. Eram outros tempos, mas, mesmo hoje, não consta que os gritos da torcida fossem tidos como preconceituosos ou homofóbicos. Mais recentemente, o ídolo Renato Gaúcho, que jogou por várias equipes e sempre foi acompanhado pelos gritos de “Renaaato-viaaado”, na mesma toada com que a sua própria torcida gritava “Renaaato-Gaúúúcho”. Até onde se sabe, nenhum movimento gay levantou a voz em repúdio às ofensas sofridas pelo moço ao longo dos anos. Certamente por ele não ser gay. Mas fica a dúvida: se o sujeito que não é gay e é chamado de gay não se ofende, por que aquele que se declara publicamente gay há de se incomodar quando o público o chama de gay numa partida?

E o que dizer então do folclórico Chicão, antigo centroavante do Botafogo, brindado pelos torcedores adversários com o coro “Chicão, Chicão, filho da puta, cabeçudo e orelhão”? Nenhum grupo defensor dos mal-acabados fisicamente jamais veio em seu socorro. Um pecado.


quarta-feira, abril 13, 2011

Pra não dizer que não falei de bullying


Ainda o massacre de Realengo. Durante muito tempo ainda vai-se falar desse triste atentado, que vitimou doze crianças numa escola pública no subúrbio carioca. Por mais que já se tenham derramado todas as lágrimas pelos “brasileirinhos” mortos (expressão utilizada pela presidente, com carga mais pesada de demagogia do que a carga de munição que carregava o próprio atirador) e derramado também todo o ódio contra o pobre coitado, sua família e sua religião, parece que há muito ainda a se esmiuçar neste caso. E assim será feito - nem que seja para que não torne a acontecer nada sequer parecido.

O noticiário está farto de assuntos, repleto de desdobramentos do caso, como deve proceder mesmo o jornalismo diante de um acontecimento tão espetacular. Policiais, políticos, psicólogos, professores, ex-colegas, estão todos na mídia com uma opinião a respeito da personalidade do rapaz que voltou à escola onde estudara e abriu fogo contra a criançada indefesa - e todos têm dicas e planos para evitar, futuramente, semelhante tragédia. Busca-se com avidez entender o funcionamento de uma mente evidentemente doentia (e sem tratamento adequado, diga-se), procuram-se por amigos, comparsas, mentores, qualquer pessoa que possa ter tido alguma ligação com o atirador e, direta ou indiretamente, tê-lo motivado, com ensinamentos operacionais ou ideológicos, ou, ainda, com incentivos de qualquer outra natureza, a cometer o terrível ataque. A sanha com que a opinião pública persegue esse objetivo é, logicamente, para encontrar alguém que pague pelo crime, algum infeliz desnaturado que possa ser responsabilizado pela barbárie, já que o assassino acabou se suicidando depois de ter sido ferido por um policial e não pode ser alcançado pela justiça dos homens.

O mais curioso (e significativo) nesse episódio de demonização do jovem atirador é a (conveniente?) miopia dos investigadores, todos eles, sejam profissionais, sejam diletantes, sejam oportunistas. A verdade está diante dos olhos de qualquer um que tenha acompanhado o noticiário, mesmo assim ninguém parece poder (ou querer) enxergar. É quase uma cegueira coletiva opcional.

O estudo da natureza humana é um rico manancial para escritores, pesquisadores e doutores de variados currículos. Suas atitudes, seus comportamentos, quando bem analisados, denunciam, explicam, justificam inúmeras ações, situações, omissões e paixões (ah, as rimas...) – e certamente também o fazem em relação ao que aconteceu em Realengo.

Qualquer um com o mínimo de vivência sabe que há um tipo de gente que não reage aos ataques que sofre. Seja por fraqueza ou por covardia, por falta de amor próprio, ou até por algum distúrbio mental (não diagnosticado e tratado), em vez de se bater contra aqueles que o molestam, contrariam, agridem, oprimem, humilham, prefere se vingar, em vez de lutar. A maldade inerente à criança (tida como pura, sabe-se lá por quê), a falta de educação dos nossos meninos e meninas, a ausência de limites que deveriam ser impostos por pais cada vez mais ausentes, a nítida falência da instituição familiar, o posso-tudo-porque-estou-pagando, o te-esculacho-porque-você-é-feio (ou pobre, esquisito, bicha, lésbica, preto, ruivo, caolho, magro, gordo, tímido, espinhento, ridículo) são os vetores responsáveis pelo massacre perpetrado por alguém que foi sempre um alvo fácil (mudo e indefeso) de toda sorte de ataques. Está nos depoimentos e nas entrevistas.

Não basta, porém, estar diante dos olhos; é preciso enxergar. Não adianta revirar arquivos de computador, quebrar sigilos telefônicos e de internet, vasculhar cadernos e manuscritos. Buscar, unicamente dessa forma, um culpado para a fuzilaria no colégio é fazer como o cachorro que corre atrás do próprio rabo. A investigação sociológica precisa ser mais profunda, por mais que doa. O cúmplice invisível do atirador de Realengo somos todos nós.

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